O Orçamento de Estado para 2008 <strong>(*)</strong>
Um Orçamento de Estado é um instrumento. É um instrumento de uma política.
Debatê-lo não é avaliar um documento técnico. Não se trata de fazer um exame de finanças públicas e de ver se o documento elaborado responde aos objectivos políticos que deve servir. Se fosse esse o caso, eu não daria nota ao sr. ministro das Finanças. Ele ainda teria de ir à oral…
Trata-se, sim, de ver a quem serve este orçamento, tal como foi apresentado.
Pelo que um orçamento não é bom ou mau. Serve ou não serve, e quem serve.
Este orçamento para 2008 é bom e é mau!
É bom para umas dezenas ou centenas de portugueses, é mau para uns milhões.
Tem uma obsessão: reduzir o défice orçamental, e com um excesso de zelo que leva a, de redução em redução, colocá-lo em 2,4% do PIB quando o compromisso assumido em Dezembro de 2006, com a Comissão Europeia e o Pacto de Estabilidade, era de 2,6% para 2008. Como se lê na declaração do Grupo Parlamentar do PCP, este orçamento é mais «pactista» do que o Pacto.
O Governo faz disso um trunfo e um grande triunfo. É bem o contrário. Ou sê-lo-á para as dezenas ou as centenas e não o é para os milhões de portugueses.
Não que, em alguma circunstância, o défice excessivo seja virtuoso, mas é preciso sobretudo ver à custa de quê e de quem e como se conseguiu a «virtude» de tanto o diminuir.
Esta dinâmica tem comprometido o crescimento económico, desvaloriza o combate ao desemprego, ataca o poder de compra e a qualidade de vida dos trabalhadores e das populações, despreza as questões sociais num País cada vez mais desigual socialmente e com uma parte crescente da sua população abaixo da linha da pobreza ou no seu limiar.
No crescimento económico, a previsão é de 2,2%, o que já mereceu muitas dúvidas e reservas, mas que, mesmo que se viesse a verificar, representará – no sétimo ano consecutivo – divergência da média de crescimento da UE, quer a 15 (como o diz desejar o Presidente da República), quer a 27.
Assim continuará a ser se o investimento público se mantiver inexistente, o que nem se pode comprovar no OE, por dele estarem excluídos a REFER e o Instituto das Estradas de Portugal num processo de desorçamentação a que terei de voltar.
No desemprego, esquecendo os célebres 150 mil empregos da campanha eleitoral, o documento de compromissos (não perante o Povo Português mas perante a Comissão Europeia!) de Dezembro de 2006, previa taxas de desemprego de 7,5% para 2007 e de 7,2% para 2008, vindo agora o OE corrigir esses valores para 7,8% e 7,6%. Isto é, corrige-se para menos o défice e corrige-se para mais o desemprego! E assim se atinge o resultado, muito gravoso, quer objectiva quer subjectivamente, da Espanha ter, pela primeira vez, indicadores de desemprego inferiores a Portugal.
Quanto ao poder de compra e qualidade de vida (dos milhões…) e às questões sociais, o OE para 2008 fornece alguns elementos que denunciam estar ao serviço de uma política anti-social. Os aumentos salariais para os funcionários públicos (que são a bússola dos aumentos salariais) não poderão ultrapassar 2,1%, ou seja, o valor que é estimado para a inflação esperada… e que é sempre mais alta que o que se diz esperar. Sem entrar em mais considerações (e muitas seriam) sobre esta metodologia de cálculo, mesmo que se cumprissem os dois parâmetros não se recuperaria qualquer poder de compra dos trabalhadores que, desde o ano de 2000, já perderam 10% do seu poder de compra.
Por outro lado, as remunerações certas e permanentes dos trabalhadores da administração pública continuam na sua rampa descendente (12 mil milhões de euros no orçamento de 2006, 11,5 no de 2007, 10,9 neste de 2008); em contrapartida, as verbas a afectar ao pessoal contratado a prazo passa de 200 para 240 milhões, o que mostra bem que o Governo se prepara para acrescer a precariedade do trabalho juntamente com a mobilidade especial e a colocação de trabalhadores na «prateleira» ou na «armazém de monos».
Artifícios e ratoeiras
Em contraponto com esta (chame-se-lhe) gestão de recursos humanos, o OE inclui um total de 1,2 mil milhões de euros em aquisições genéricas de serviços ao exterior com mais de 900 milhões em… «outros», assim bem se revelando a discricionariedade de que o Governo pretende dispor e que casos recentes bem ilustram. Um pouco como os alcatruzes enquanto as remunerações certas e permanentes, de milhões ou centenas de milhar, descem cerca de 10%, as aquisições de serviços, em benefício de umas dezenas, sobem mais de 13%!
E, aqui, não se pode deixar de referir o caso do Instituto das Estradas de Portugal, e o que um semanário veio noticiar, com putativa fundamentação no Tribunal de Contas. Não se deve cair na ratoeira de debater se o documento do TC existe ou não, se são 2,5 mil milhões de compromissos assumidos por ajuste directo ou apenas (!) 800 milhões, e outras diversões. O que vem ao caso é a desorçamentação, quer das Estradas de Portugal, quer da REFER, o que justifica todas as dúvidas quanto a legalidade e é mais um artifício para a obsessão de reduzir o défice e, mais importante, para retirar do acompanhamento e fiscalização parlamentar parte substancial da actividade do Estado.
A este e a outros artifícios, junta-se a questão magna das privatizações. E se as Estradas de Portugal são uma privatização anunciada, o que parece quase surrealista, não menos o é a intenção de concessionar a rede rodoviária nacional durante um século, até 2099! Será voltar a antes de D. João II, que conseguiu ser rei das estradas de Portugal…
E o OE não diz, explicitamente, quais as empresas que se intenta privatizar, embora se reservem cerca de 900 milhões para privatizações durante 2008. Já não se trata de vender os anéis. É vender o património de todos, aquilo que fez (ou faz) com que o Estado possa ter tido (ou venha a ter) anéis.
Mais duas notas e um breve apontamento sobre hermenêutica fiscal.
A persistência da taxa efectiva de IRC a pagar pelo sector bancário se manter 10 pontos abaixo da taxa nominal que paga qualquer empresa, representa uma perda fiscal superior a 400 milhões de euros e contribui para os relativamente astronómicos lucros publicados da banca; o aumento dos benefícios fiscais na zona franca da Madeira com um acréscimo de 800 milhões de euros, quase 80%, em contraste chocante com a dimensão dos propagandeados benefícios da diminuição das taxas de IRC no interior, que não ultrapassará em 2008, a concretizar-se…, um milhão, e das deduções para pessoas portadoras de deficiência, de apenas 4,2 milhões de euros.
Por outro lado, tem de se sublinhar o peso crescente dos impostos indirectos, os chamados «cegos» porque atingem todos enquanto os impostos directos são ponderados com os rendimentos dos contribuintes, ultrapassando os 60% da receita fiscal.
Para terminar, apesar de cada crítica ser uma proposta alternativa, explicita-se uma: redução da taxa normal do IVA de 21% para 20% em 2008 e para 19% em 2009, para iniciar um caminho de normalização da taxa superior do IVA, com a finalidade de dinamizar o consumo interno e aumentar a competitividade dos sectores produtivos. O Governo, como atrás se disse, vai ainda mais além do que se comprometeu com Bruxelas e não utiliza a margem que as suas próprias contas demonstram existir já para 2008. Não há razão para não se iniciar já a redução da taxa normal do IVA… a não ser, provavelmente, a de se usar essa redução apenas em 2009, de acordo com o calendário eleitoral…
Segundo o Governo, a taxa normal representa cerca de 60% da receita global de IVA. Esta redução significaria uma redução previsível na receita do imposto, inscrita no OE, igual a 60% de 674 milhões de euros. A eventual perda de receita fiscal, de 400 milhões de euros (menos de 3% da receita global), seria parcialmente compensada pelo efeito da redução de outros benefícios fiscais e, sobretudo, por efeito de um aumento de consumo resultante de uma diminuição da taxa do IVA, em todo o País e particularmente nas zonas de fronteira, onde, assim, seria diminuído em 20% o diferencial de taxas entre os dois lados da fronteira, pelo que perda de receitas seria, decerto, inferior àquele valor.
Mesmo admitindo uma perda de receita fiscal de 300 milhões de euros, o défice inscrito no OE para 2008 passaria a ter um valor total de 4,4 mil milhões de euros, pelo que o défice orçamental passaria a 2,6 (a manter-se – simples hipótese algébrica! – igual valor do PIB, que tal medida faria decerto aumentar, aumentando o denominador da fracção), ainda inferior ao valor previsto no tal Programa de Estabilidade e Crescimento para 2008, de Dezembro de 2006.
Assim se manteria o respeito pelo Pacto de Estabilidade, a que o PCP sempre se opôs pela (fácil) previsão das consequências que milhões de portugueses estão a viver/sofrer, mas não se levaria tão longe a obediência (ou o servilismo?) à maneira de «meninos muito bem comportados».
(*) A partir da posição tomada pelo Grupo Parlamentar do Partido, de 30 de Outubro de 2007, na preparação da participação no Prós e Contras-RTP1
É bom para umas dezenas ou centenas de portugueses, é mau para uns milhões.
Tem uma obsessão: reduzir o défice orçamental, e com um excesso de zelo que leva a, de redução em redução, colocá-lo em 2,4% do PIB quando o compromisso assumido em Dezembro de 2006, com a Comissão Europeia e o Pacto de Estabilidade, era de 2,6% para 2008. Como se lê na declaração do Grupo Parlamentar do PCP, este orçamento é mais «pactista» do que o Pacto.
O Governo faz disso um trunfo e um grande triunfo. É bem o contrário. Ou sê-lo-á para as dezenas ou as centenas e não o é para os milhões de portugueses.
Não que, em alguma circunstância, o défice excessivo seja virtuoso, mas é preciso sobretudo ver à custa de quê e de quem e como se conseguiu a «virtude» de tanto o diminuir.
Esta dinâmica tem comprometido o crescimento económico, desvaloriza o combate ao desemprego, ataca o poder de compra e a qualidade de vida dos trabalhadores e das populações, despreza as questões sociais num País cada vez mais desigual socialmente e com uma parte crescente da sua população abaixo da linha da pobreza ou no seu limiar.
No crescimento económico, a previsão é de 2,2%, o que já mereceu muitas dúvidas e reservas, mas que, mesmo que se viesse a verificar, representará – no sétimo ano consecutivo – divergência da média de crescimento da UE, quer a 15 (como o diz desejar o Presidente da República), quer a 27.
Assim continuará a ser se o investimento público se mantiver inexistente, o que nem se pode comprovar no OE, por dele estarem excluídos a REFER e o Instituto das Estradas de Portugal num processo de desorçamentação a que terei de voltar.
No desemprego, esquecendo os célebres 150 mil empregos da campanha eleitoral, o documento de compromissos (não perante o Povo Português mas perante a Comissão Europeia!) de Dezembro de 2006, previa taxas de desemprego de 7,5% para 2007 e de 7,2% para 2008, vindo agora o OE corrigir esses valores para 7,8% e 7,6%. Isto é, corrige-se para menos o défice e corrige-se para mais o desemprego! E assim se atinge o resultado, muito gravoso, quer objectiva quer subjectivamente, da Espanha ter, pela primeira vez, indicadores de desemprego inferiores a Portugal.
Quanto ao poder de compra e qualidade de vida (dos milhões…) e às questões sociais, o OE para 2008 fornece alguns elementos que denunciam estar ao serviço de uma política anti-social. Os aumentos salariais para os funcionários públicos (que são a bússola dos aumentos salariais) não poderão ultrapassar 2,1%, ou seja, o valor que é estimado para a inflação esperada… e que é sempre mais alta que o que se diz esperar. Sem entrar em mais considerações (e muitas seriam) sobre esta metodologia de cálculo, mesmo que se cumprissem os dois parâmetros não se recuperaria qualquer poder de compra dos trabalhadores que, desde o ano de 2000, já perderam 10% do seu poder de compra.
Por outro lado, as remunerações certas e permanentes dos trabalhadores da administração pública continuam na sua rampa descendente (12 mil milhões de euros no orçamento de 2006, 11,5 no de 2007, 10,9 neste de 2008); em contrapartida, as verbas a afectar ao pessoal contratado a prazo passa de 200 para 240 milhões, o que mostra bem que o Governo se prepara para acrescer a precariedade do trabalho juntamente com a mobilidade especial e a colocação de trabalhadores na «prateleira» ou na «armazém de monos».
Artifícios e ratoeiras
Em contraponto com esta (chame-se-lhe) gestão de recursos humanos, o OE inclui um total de 1,2 mil milhões de euros em aquisições genéricas de serviços ao exterior com mais de 900 milhões em… «outros», assim bem se revelando a discricionariedade de que o Governo pretende dispor e que casos recentes bem ilustram. Um pouco como os alcatruzes enquanto as remunerações certas e permanentes, de milhões ou centenas de milhar, descem cerca de 10%, as aquisições de serviços, em benefício de umas dezenas, sobem mais de 13%!
E, aqui, não se pode deixar de referir o caso do Instituto das Estradas de Portugal, e o que um semanário veio noticiar, com putativa fundamentação no Tribunal de Contas. Não se deve cair na ratoeira de debater se o documento do TC existe ou não, se são 2,5 mil milhões de compromissos assumidos por ajuste directo ou apenas (!) 800 milhões, e outras diversões. O que vem ao caso é a desorçamentação, quer das Estradas de Portugal, quer da REFER, o que justifica todas as dúvidas quanto a legalidade e é mais um artifício para a obsessão de reduzir o défice e, mais importante, para retirar do acompanhamento e fiscalização parlamentar parte substancial da actividade do Estado.
A este e a outros artifícios, junta-se a questão magna das privatizações. E se as Estradas de Portugal são uma privatização anunciada, o que parece quase surrealista, não menos o é a intenção de concessionar a rede rodoviária nacional durante um século, até 2099! Será voltar a antes de D. João II, que conseguiu ser rei das estradas de Portugal…
E o OE não diz, explicitamente, quais as empresas que se intenta privatizar, embora se reservem cerca de 900 milhões para privatizações durante 2008. Já não se trata de vender os anéis. É vender o património de todos, aquilo que fez (ou faz) com que o Estado possa ter tido (ou venha a ter) anéis.
Mais duas notas e um breve apontamento sobre hermenêutica fiscal.
A persistência da taxa efectiva de IRC a pagar pelo sector bancário se manter 10 pontos abaixo da taxa nominal que paga qualquer empresa, representa uma perda fiscal superior a 400 milhões de euros e contribui para os relativamente astronómicos lucros publicados da banca; o aumento dos benefícios fiscais na zona franca da Madeira com um acréscimo de 800 milhões de euros, quase 80%, em contraste chocante com a dimensão dos propagandeados benefícios da diminuição das taxas de IRC no interior, que não ultrapassará em 2008, a concretizar-se…, um milhão, e das deduções para pessoas portadoras de deficiência, de apenas 4,2 milhões de euros.
Por outro lado, tem de se sublinhar o peso crescente dos impostos indirectos, os chamados «cegos» porque atingem todos enquanto os impostos directos são ponderados com os rendimentos dos contribuintes, ultrapassando os 60% da receita fiscal.
Para terminar, apesar de cada crítica ser uma proposta alternativa, explicita-se uma: redução da taxa normal do IVA de 21% para 20% em 2008 e para 19% em 2009, para iniciar um caminho de normalização da taxa superior do IVA, com a finalidade de dinamizar o consumo interno e aumentar a competitividade dos sectores produtivos. O Governo, como atrás se disse, vai ainda mais além do que se comprometeu com Bruxelas e não utiliza a margem que as suas próprias contas demonstram existir já para 2008. Não há razão para não se iniciar já a redução da taxa normal do IVA… a não ser, provavelmente, a de se usar essa redução apenas em 2009, de acordo com o calendário eleitoral…
Segundo o Governo, a taxa normal representa cerca de 60% da receita global de IVA. Esta redução significaria uma redução previsível na receita do imposto, inscrita no OE, igual a 60% de 674 milhões de euros. A eventual perda de receita fiscal, de 400 milhões de euros (menos de 3% da receita global), seria parcialmente compensada pelo efeito da redução de outros benefícios fiscais e, sobretudo, por efeito de um aumento de consumo resultante de uma diminuição da taxa do IVA, em todo o País e particularmente nas zonas de fronteira, onde, assim, seria diminuído em 20% o diferencial de taxas entre os dois lados da fronteira, pelo que perda de receitas seria, decerto, inferior àquele valor.
Mesmo admitindo uma perda de receita fiscal de 300 milhões de euros, o défice inscrito no OE para 2008 passaria a ter um valor total de 4,4 mil milhões de euros, pelo que o défice orçamental passaria a 2,6 (a manter-se – simples hipótese algébrica! – igual valor do PIB, que tal medida faria decerto aumentar, aumentando o denominador da fracção), ainda inferior ao valor previsto no tal Programa de Estabilidade e Crescimento para 2008, de Dezembro de 2006.
Assim se manteria o respeito pelo Pacto de Estabilidade, a que o PCP sempre se opôs pela (fácil) previsão das consequências que milhões de portugueses estão a viver/sofrer, mas não se levaria tão longe a obediência (ou o servilismo?) à maneira de «meninos muito bem comportados».
(*) A partir da posição tomada pelo Grupo Parlamentar do Partido, de 30 de Outubro de 2007, na preparação da participação no Prós e Contras-RTP1